A campanha de quatro anos da França para estabelecer uma estrutura abrangente e regulamentada para a cannabis medicinal finalmente deu frutos.
Há apenas algumas semanas, milhares de pacientes inscritos no "experimento piloto" de cannabis medicinal na França, lançado em 2021, enfrentaram a angustiante perspectiva de interromper o tratamento, pois receberam instruções do governo para buscar terapias alternativas. Agora, após meses de turbulência política, o governo francês deu uma guinada significativa. De acordo com as últimas notícias, o governo apresentou três documentos separados à União Europeia para aprovação, detalhando o sistema proposto de cannabis medicinal, que deve ser aprovado "processualmente".
As propostas, agora públicas, parecem indicar, pela primeira vez, que as flores de cannabis estarão disponíveis para os pacientes, mas apenas em doses de "uso único" e administradas por meio de dispositivos específicos.
1. Recapitulação do evento
Em 19 de março de 2025, três documentos foram submetidos à UE para aprovação, cada um descrevendo aspectos específicos do processo de legalização da cannabis medicinal.
Na realidade, cada marco regulatório já havia sido finalizado há algum tempo, com planos iniciais de submetê-los à UE em junho ou julho do ano passado. No entanto, o colapso do governo francês e a subsequente turbulência política atrasaram significativamente a aprovação desses decretos, juntamente com muitas outras medidas legislativas.
De acordo com o Sistema de Informação sobre Regulamentações Técnicas (TRIS) da UE, o primeiro decreto apresentado pela França “define a estrutura para o sistema regulatório de medicamentos à base de cannabis”. Dois decretos adicionais, conhecidos como “Arrêtés”, foram apresentados simultaneamente para detalhar os detalhes técnicos, as condições práticas e os padrões aplicáveis ao que poderia se tornar um dos maiores mercados de cannabis medicinal da Europa.
Benjamin Alexandre-Jeanroy, CEO e cofundador da consultoria Augur Associates, sediada em Paris, disse à imprensa: “Estamos aguardando a aprovação final da UE, após a qual o governo assinará os decretos durante a reunião ministerial semanal realizada às quartas-feiras no palácio presidencial. Essas leis são universais e implementadas em muitos países europeus, portanto, não prevejo qualquer obstrução por parte da UE.”
2. Condições e Produtos
De acordo com o novo marco legal universal da cannabis medicinal, apenas médicos treinados e certificados poderão prescrever produtos de cannabis medicinal. Um programa de treinamento será estabelecido em consulta com a Autoridade Sanitária Francesa (HAS).
A cannabis medicinal continuará sendo um tratamento de último recurso, como no programa piloto. Os pacientes devem demonstrar que todas as outras terapias padrão foram ineficazes ou intoleráveis.
As prescrições legais de cannabis medicinal serão limitadas ao tratamento de dor neuropática, epilepsia resistente a medicamentos, espasmos relacionados à esclerose múltipla e outros distúrbios do sistema nervoso central, alívio dos efeitos colaterais da quimioterapia e cuidados paliativos para sintomas persistentes e incontroláveis.
Embora essas condições estejam estreitamente alinhadas com as diretrizes propostas anteriormente, uma mudança fundamental que poderia abrir o mercado para mais empresas é a inclusão da flor de cannabis.
Embora a flor seja agora permitida, os pacientes são estritamente proibidos de consumi-la por métodos tradicionais. Em vez disso, ela deve ser inalada por meio de vaporizadores de ervas secas com certificação CE. A flor de cannabis medicinal deve atender aos padrões da Monografia 3028 da Farmacopeia Europeia e ser apresentada na forma finalizada.
Outros produtos farmacêuticos acabados, incluindo formulações orais e sublinguais, estarão disponíveis em três proporções distintas de THC/CBD: THC dominante, balanceada e CBD dominante. Cada categoria oferecerá cepas primárias e opções para os pacientes escolherem.
“A classificação de produtos de cannabis medicinal na França é de fato favorável à indústria, pois não há restrições quanto a cepas ou concentrações — apenas produtos de espectro completo são exigidos. A proporção THC/CBD é a única informação obrigatória a ser enviada. Além disso, o fornecimento de detalhes sobre canabinoides e terpenos menores é incentivado para fomentar a concorrência, embora não seja obrigatório”, observaram especialistas do setor.
Outro desenvolvimento significativo é o esclarecimento da Autoridade Sanitária Francesa de que os 1.600 pacientes que atualmente recebem tratamento no programa piloto continuarão a ter acesso a medicamentos de cannabis, pelo menos até 31 de março de 2026, quando se espera que a estrutura regulatória universal esteja totalmente operacional.
3. Outros detalhes importantes
Uma disposição fundamental nos novos decretos regulatórios é o estabelecimento de uma estrutura de “Autorização de Uso Temporário (ATU)” — um processo de aprovação prévia ao mercado para novos produtos.
Conforme relatado anteriormente, a Agência Nacional Francesa para a Segurança de Medicamentos e Produtos de Saúde (ANSM) supervisionará este processo, que validará produtos de cannabis medicinal com receita médica por cinco anos, renováveis nove meses antes do vencimento. A ANSM terá 210 dias para responder aos pedidos e publicará todas as decisões — aprovações, rejeições ou suspensões — em seu site oficial.
Os candidatos devem apresentar comprovantes de que seus produtos atendem aos padrões de Boas Práticas de Fabricação (BPF) da UE. Após a aprovação, devem enviar Relatórios Periódicos de Atualização de Segurança a cada seis meses durante os dois primeiros anos e, posteriormente, anualmente durante os três anos restantes.
É fundamental que apenas médicos especialmente treinados e certificados sejam autorizados a prescrever maconha medicinal, e os programas de treinamento serão anunciados em consulta com a Autoridade Sanitária Francesa (HAS).
O primeiro decreto também aborda os requisitos para cada segmento da cadeia de suprimentos. Além dos rigorosos protocolos de segurança, agora padrão em quase todos os mercados de cannabis medicinal, ele estipula que qualquer cultivador doméstico deve cultivar plantas estritamente em ambientes fechados ou em estufas protegidas da vista do público.
Notavelmente, os cultivadores devem firmar contratos vinculativos com entidades autorizadas antes de plantar cannabis, e o único propósito do cultivo deve ser vender para essas entidades autorizadas.
4. Perspectivas e Oportunidades
No início de janeiro de 2025, a expansão do programa piloto de cannabis medicinal para um mercado completo parecia uma perspectiva distante tanto para pacientes quanto para empresas.
Essa perspectiva persistiu até a notícia da semana passada de que a UE havia recebido o pedido da França para aprovação de suas propostas. Consequentemente, as empresas de cannabis medicinal tiveram pouco tempo para assimilar essa grande oportunidade, mas, dada a escala potencial do mercado, é provável que isso mude em breve.
Atualmente, embora os detalhes ainda não tenham sido divulgados, as empresas de cannabis medicinal sinalizaram sua intenção de aproveitar esta oportunidade lançando novos produtos adaptados ao mercado francês. Especialistas do setor preveem que o mercado de cannabis medicinal da França se desenvolverá muito mais lentamente do que o da vizinha Alemanha, com uma estimativa de 10.000 pacientes no primeiro ano, crescendo gradualmente para entre 300.000 e 500.000 até 2035.
Para empresas estrangeiras de olho nesse mercado, uma "vantagem" fundamental do arcabouço regulatório francês é que a cannabis "se enquadra em um arcabouço farmacêutico mais amplo". Isso significa que empresas estrangeiras podem evitar restrições arbitrárias como as observadas no Reino Unido, onde as licenças de importação podem ser limitadas sem justificativa clara. Tal interferência política é menos provável na França, visto que as licenças em questão não são específicas para cannabis medicinal.
Do ponto de vista econômico, alguns participantes já formaram parcerias com empresas francesas que possuem as licenças necessárias para produzir e processar cannabis medicinal.
Dito isto, a oportunidade imediata está mais no envio de produtos acabados para a França para embalagem local e controle de qualidade do que na produção ou processamento local em larga escala.
Horário da publicação: 01/04/2025